Desde então, o modelo centralizado de geração de energia se impôs na maioria dos países do mundo. Edison e sua equipe criaram a primeira central de distribuição de energia elétrica do mundo, a Pearl Station, para abastecer o distrito de Wall Street, em Nova York, mas conforme a demanda aumentava, os projetos também foram crescendo e demandavam altíssimos investimentos – até chegarmos às usinas de grande porte, com subsídio ou controle estatal, e aos sistemas de transmissão e distribuição que levavam essa energia até os consumidores residenciais, comerciais e industriais.Foi apenas no final do século XX, após a emergência das questões ambientais, que novas modalidades de geração começaram a ganhar a atenção da sociedade. O aproveitamento de recursos naturais, como a força das águas, o sol, o vento e até mesmo o gás produzido pela decomposição da matéria orgânica, em sistemas de pequeno porte, permitem hoje a geração de energia elétrica com mínimo impacto ambiental. O nome dado a essas iniciativas realizadas por pequenas empresas, comércios e pelos próprios consumidores que se dedicam a produzir a energia que utilizam junto a carga é chamado geração distribuída, ou GD.De fato, estamos falando de um novo modelo de rede. A GD pode ser comparada, no setor elétrico, ao que significou a chegada da internet para o setor de Comunicação. Um modelo que era centralizado, unidirecional (dos poucos grandes produtores para milhares de consumidores), tornou-se descentralizado, distribuído, e todos os pontos da rede podem agora receber e enviar energia para o sistema. É uma revolução, uma mudança de paradigma que dificilmente será contida, ainda que as estruturas tradicionais de regulação e tarifação pressionem seu desenvolvimento.No Brasil, o assunto ganhou relevância há cerca de uma década. Em 2010, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) promoveu a primeira Consulta Pública sobre o tema: a Consulta Pública nº 15/2010, entre setembro e novembro. No ano seguinte, foi realizada a Audiência Pública nº 42/2011, com o objetivo de debater os dispositivos legais para a conexão de geração distribuída de pequeno porte na rede de distribuição.O resultado desse processo materializou-se na Resolução Normativa (REN) nº 482, de 17/4/2012, que estabeleceu as condições gerais para o acesso de micro e minigeração distribuída aos sistemas de distribuição de energia elétrica, e criou o sistema de compensação de energia elétrica correspondente. Ou seja, desde 2012, todos os brasileiros têm direito a gerar, por conta própria, utilizando fontes renováveis, a energia elétrica que consomem – e também podem injetar na rede o que produzem de energia ex- cedente, beneficiando o sistema como um todo.A regulamentação vem passando por diversos aprimoramentos. Em 2015, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) promulgou a Resolução Normativa nº 687/2015, revisando a REN 482/2012 e alterando a seção 3.7 do Módulo 3 dos Procedimentos de Distribuição de Energia Elétrica no Sistema Elétrico Nacional – PRODIST.Esses documentos regram, até os dias de hoje, a micro e a minigeração distribuída. A primeira delas refere-se a centrais geradoras de energia elétrica com potência instalada menor ou igual a 75 quilowatts (kW), enquanto a segunda diz respeito às centrais geradoras com potência instalada superior a 75 kW e menor ou igual a 3 megawatt (MW), para a fonte hídrica, ou 5 MW para as demais fontes.A REN nº 687/2015 também permitiu ao consumidor a utilização de créditos em unidades diferentes daquela onde está instalada a usina, desde que previamente cadastradas e dentro da mesma área de concessão. São formas de compensação caracterizada como autoconsumo remoto, geração compartilhada ou integrante de empreendimentos de múltiplas unidades consumidoras (condomínios).O Brasil conta com mais de 115 mil sistemas de micro e minigeração distribuída de energia elétrica conectados à rede, beneficiando mais de 155 mil unidades consumidoras como residências, edifícios comerciais e instalações industriais de pequeno e médio portes. A geração distribuída atingiu a marca de 1,3 GW de potência instalada. Embora o segmento de GD tenha conquistado importantes avanços, a modalidade ainda tem uma participação pequena na matriz elétrica nacional, inferior a 0,25%. Há, portanto, muito trabalho a ser feito e muitos desafios a serem vencidos!
Vale lembrar que o Brasil, como signatário do Acordo de Paris, está comprometido a reduzir emissões de gases de efeito estufa (GEE) e fomentar o desenvolvimento sustentável. O objetivo do acordo, que conta com 195 países signatários, é conter o aumento da temperatura média global em menos 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. Por meio de suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (intended Nationally Determined Contribution – iNDC), o Brasil estabeleceu como meta uma reestruturação de sua matriz energética até 2030: a participação de energias renováveis não hídricas no fornecimento de energia elétrica deve ser expandida para , 23%, pelo menos, e, considerando-se todo o setor de energia (que inclui eletricidade, óleo e gás), 45% da matriz deverá ser obtida a partir de fontes renováveis.Do ponto de vista sistêmico, a geração distribuída é uma solução “3D”. Atende as necessidades de descarbonização, descentralização e digitalização do sistema elétrico. No Brasil, as características da geração distribuída se revelam ainda mais disruptivas, por termos um sistema baseado em na geração centralizada e sujeito a uma regulação intervencionista, complicada e desatualizada, em que o contribuinte sempre acaba pagando todos os custos do sistema. Para evoluirmos amplamente na geração distribuída, os esforços de expansão da rede deveriam seguir características de livre mercado e precisam de arcabouço regulatório muito mais ágil e flexível.Analisemos de forma sucinta as três vertentes (definições retiradas do site da Cemig): Digitalização: A digitalização da sociedade vem alterando as visões dos clientes sobre as empresas e as interações que eles esperam de provedores de serviços fundamentais, como transporte, segurança, saúde, energia e administração. A tendência dos consumidores é demandar, cada vez mais, produtos e serviços personalizados de alta qualidade, acessíveis 24 horas por dia, 7 dias por semana, através de dispositivos móveis e mídias sociais. A grande quantidade de dados dos consumidores, combinada com as novas tecnologias de Inteligência Artificial, cria oportunidades para gerar valor a partir dos dados, respeitando as regulações e legislações de proteção de dados pessoais (definição do site da Cemig).Descarbonização: No setor elétrico, o maior impacto destatendência mundial é a substituição de energia oriunda de combustíveis fósseis por energia elétrica em diversos produtos, cujo exemplo maior são os veículos elétricos. O setor elétrico se tornará muito mais descentralizado com a multiplicação de um grande número de fontes de energia distribuída e consumidores ativos, muitos deles conectados a redes de distribuição. Os consumidores irão tornar-se cada vez mais ativos e irão gerenciar seus próprios sistemas, com uma combinação de geração, uso e armazenamento de energia. (definição do site da Cemig).Descentralização: Previsões do setor apontam para a energia solar tornar-se majoritária na matriz energética brasileira entre os anos 2035 e 2040, sendo que desta, 75% será de geração distribuída. Para o setor elétrico essa mudança traz diversos impactos, mas o mais dramático é a descentralização, o que vai implicar em diversas mudanças culturais e operacionais nas empresas operadoras. É chave o desenvolvimento de novos modelos de negócios que busquem novas fontes de receita a partir de novos produtos, novos serviços inovadores de distribuição, e da comercialização de novos serviços adaptados à chamada Quarta Revolução Industrial.Há um quarto D, poucos falam, mas é o da Democratização. Obviamente, o benefício de muitos deve superar o de poucos, e o foco tem que ser o PROSUMIDOR, que agora pode produzir e consumir a própria energia, sem ter que ser onerado de maneira a inviabilizar financeiramente seu direito de produzir a própria energia, após mais de 100 anos no mercado cativo, podendo agora escolher entre produzir a sua energia ou comprar da distribuidora local. Uma liberdade parcial ainda, pois estaremos sendo tolhidos de exercer esse direito de forma plena e equilibrada, com uma supervalorização do fi o, como se este pudesse valer quase 70% do serviço de fornecimento de energia elétrica como um todo. São valores desproporcionais, descabidos e que não colaboram para o equilíbrio do mercado e sim para a perpetuação de oligopólio arcaico.Está na hora de realmente nos inserirmos o século 21, onde o benefício de muitos deve superar o de poucos, e o foco tem que ser o PROSUMIDOR, que é quem no final sempre paga a conta.Heloisa Prates Pereira e Carlos Evangelista