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Sobre PLD, reservatórios e a ajuda preciosa da biomassa

Aproveitamento da biomassa existente pode continuar sendo estimulado e contribuir (ainda mais) para a segurança energética

Um mantra que tem sido replicado sobre o papel do Preço de Liquidação de Diferenças (PLD) é que não tem tido relevância em estimular, no curto prazo, a oferta de geração de energia elétrica, mesmo estando próximo ou no limite superior regulatório há um bom tempo. Dado que o despacho físico das principais usinas é desvinculado das obrigações comerciais formalizadas por meio de contratos, comumente o gerador não teria como reagir aos sinais de preços e ampliar sua oferta no curto prazo.

Por conta disto, observando apenas este item, apregoa-se que o limite superior do PLD poderia ser reduzido, sem afetar o estímulo à geração no curto prazo, mitigando o risco neste mercado e ainda permaneceríamos dando uma sinalização adequada no lado da demanda.

A fonte biomassa sucroenergética, no primeiro trimestre deste ano, período caracterizado pela entressafra na Região Centro-Sul (que processa 90% da cana do país), aumentou sua geração de energia elétrica em mais de 70% em relação à igual trimestre do ano passado. Nesse mesmo período de 2014, o PLD médio começou janeiro com R$ 378/MWh e ficou em fevereiro e março no limite superior regulatório (R$ 822/MWh).

As usinas de bioeletricidade procuraram, no geral, antecipar o início da geração de energia elétrica, utilizando o bagaço e a palha e, onde estava disponível a preços competitivos, adquirir biomassa de terceiros – bagaço e palha de cana, cavaco de madeira, casca de amendoim e até resto de podas de árvores em cidades que seria desperdiçado do ponto de vista energético.

Durante a atual safra, há casos de usinas em que a geração de bioeletricidade tem ocorrido com mais de 10% originada de biomassa de terceiros, comercialização estimulada devido aos preços no Mercado de Curto Prazo (MCP). A gestão da biomassa própria e a aquisição de terceiros, mesmo em um cenário previsto de não aumento da safra canavieira, têm possibilitado uma geração de energia adicional à planejada no início da safra, que tem sido destinada ao cumprimento dos contratos regulares e, justamente, para aumentar a oferta no MCP.

Assim, esse mantra de oferta inelástica ao PLD no curto prazo não tem sido tão uníssono assim, ao longo de 2013, pelo menos para a fonte biomassa, o que também tem sido muito bom para o Sistema Interligado Nacional (SIN). O pico da geração da biomassa deste ano ocorreu em agosto, com 3.716 MW médios, exatamente num momento em que os reservatórios das hidrelétricas do submercado Sudeste/Centro-Oeste chegavam a 30% de sua capacidade apenas. Em 2013, estima-se que a geração de bioeletricidade em geral fornecida à rede seria equivalente a termos poupado em torno de 10% da água nos reservatórios das hidrelétricas do submercado Sudeste/Centro-Oeste no período seco e crítico para o SIN.

Poder-se-ia contra argumentar a imaterialidade da biomassa no tocante à ajuda efetiva que dá à matriz elétrica brasileira. No entanto, a geração da biomassa de maio a setembro deste ano tem ficado superior a três mil MW médios, algo nada imaterial. Um bom exemplo é o citado mês de agosto, e seus 3.716 MW médios, quando a bioeletricidade foi equivalente a quase 20% do consumo industrial do país naquele mês. A geração de agosto da biomassa perdeu em volume apenas para a fonte hídrica e as térmicas a gás natural.

A atual discussão em torno de uma possível redução abrupta de 53% do limite superior do PLD (de R$ 822 para R$ 388/MWh) deve ser avaliada sem açodamento, de forma que não se restrinja o desenvolvimento de uma geração adicional renovável e sustentável para a matriz energética brasileira. Num momento em que o setor sucroenergético começa a sistematizar o aproveitamento da palha, a criar arranjos de governança para o uso das mais diversas fontes de biomassa, a redução do limite superior do PLD e seus rebatimentos sobre o MCP cercearão o aproveitamento dessa oferta adicional ao longo de 2015, justamente quando se preveem cenários ainda de dificuldades significativas quanto à segurança do suprimento energético.

Afirmar que o limite máximo proposto (R$ 388/MWh) não causará desestímulo ao investimento para essa geração adicional não é correto para o caso da biomassa. Neste nível não haveria geração adicional advinda da compra de biomassa de terceiros e incentivos à gestão de curto prazo para a biomassa própria, e perderíamos um potencial de geração que demanda pequena escala de investimentos, aproveitando e otimizando o parque já instalado no setor sucroenergético. Por isto, reforça-se e sugere-se que a revisão da metodologia de cálculo dos limites máximo e mínimo do PLD ocorra sem açodamento, cumprindo-se efetivamente o papel da regulação de proporcionar condições favoráveis para que o mercado de bioeletricidade se desenvolva, proporcionando (ainda mais) benefícios à sociedade e segurança energética para o SIN.

*Artigo publicado no Canal Energia em 27/10/2014 (www.canalenergia.com.br).




Artigo por: Zilmar José de Souza

Gerente de bioeletricidade da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA) e professor da Faculdade Getúlio Vargas (FGV/SP)

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